BRASIL E PACTO SOCIAL
Por Amadeu Garrido de Paula*
Pacto social, em determinados momentos históricos imprescindíveis, obviamente, é filho de pacto político. Nações em impasse não encontram soluções sem realismo, abdicação da vontade do poder pelo poder, interlocução com o antagonista e muita paciência na arquitetura de soluções comuns e sólidas.
Mesmo sob o tacão ditatorial dos militares, houve corrente de esquerda – evidentemente isolada – que propôs a redemocratização do país em compasso com fundamentos políticos e econômicos minimamente aceitáveis por todas as partes. Sem nenhuma dúvida, o então Partido Comunista Brasileiro, voltado sobretudo ao diálogo, sofreu todas as espécies de vitupérios possíveis. Afinal, como celebrar um pacto com aqueles que empalmaram a autoridade irrestrita, torturaram, mataram etc? Se Cristo pregou o sempre remoto perdão pessoal, o perdão político, em prol da estruturação de uma sociedade pacífica, é um falso oásis no deserto das ideias públicas, cruel miragem que conduz ao desalento e à depressão derradeira.
O problema é que Karl Marx fez e ainda faz, embora aos solavancos, um arremedo da história do homem. O princípio básico é a “antítese” da composição; a luta de classes. A humanidade em sua integridade, tal como se apresenta, não viabiliza condições de sobrevivência, sem a vitória de um grupo e a capitulação do outro. O dissenso sempre foi uma verdade, fácil de ser exposta e praticável com absoluta simplicidade. Basta a superioridade de armas, a vitória e o reverso da moeda do que sucumbiu.
Já a composição exige inteligência aprofundada, capacidade de transigência, elevação de prioridades, sentido de abdicações, tudo, não raro, interpretado pela maioria dos respectivos prosélitos como traição e pusilanimidade.
A história do mundo não é a da concórdia, mas da beligerância, de vitoriosos e derrotados. Até este século XXI. Como se não houvesse espaço à convivência das divergências intelectuais e à vida em comum, inobstante os progressos da ciência que faz de um “plebeu” de hoje alguém que desfruta mais conforto que um monarca do século XX. Entretanto, costumes estereotipados não se desgarram das fímbrias cerebrais por encanto. Este mundo territorialmente generoso não dispensa a neurose geopolítica imposta a Gaza e a Cisjordânia, para ficarmos num único e eloquente exemplo.
Como advogados militantes, conhecemos o preço do desgaste de um acordo para nossas relações com nossos constituintes. O que houve, segundo entendimento imediato e emocional, foi capitulação, medo, despreparo, glória do adversário, não a percuciência de uma composição do conflito que interessou expressivamente aos litigantes. Não obstante, já se disse jocosamente que o bom acordo é a transação da qual ambos os contendores saem descontentes.
As eleições presidenciais escancararam a realidade de um país rigorosamente dividido. Pior, regionalmente. Por outro lado, o estado crítico da nação, cujos elementos não precisam ser reafirmados neste espaço, faz imperar o diálogo necessário entre as forças que se antagonizam. Contudo, o que vimos foi precisamente o contrário. Dilma Rousseff deu prosseguimento a sua campanha eleitoral no sentido de esmagar a oposição. Face a suas medidas lesivas ao povo, como a manipulação vil do orçamento sobre um congresso de cócoras e a subestimação de uma das mais importantes leis do ordenamento jurídico nacional – a lei de responsabilidade fiscal – , aos oposicionistas não restou alternativa senão o bom e acirrado combate. Nesse clima de incêndio deverá transcorrer o novo período de governo. O Brasil, a nação, o povo que se lixem. Se a falência sobrevier depois de mim, como disse o guru citado em relação aos industriais da revolução, o dilúvio não incomodará.
A falta de consenso leva à falta de método, característica dos governos petistas, serviçais das recepções, reacionários, no sentido puro do termo que indica a natureza reagente e, não, protagonista, como o faz a Presidente ante as denúncias de corrupção de seus nomeados. Entrementes, ela permanece como o espinho travestido de orquídea no angelical jardim das mulheres eleitas para consertar o planeta. À beira dessa esvaziamento, não podemos esperar a ordenação da sociedade brasileira e o melhoramento do índice de desenvolvimento humano – único valor pelo qual deveríamos nos empenhar com a força máxima de nossa inteligência política. Nosso desejo é que os termos dessa equação, em 2015, sejam alterados, sob a iniciativa da Presidente da República. Sonhar não é ilícito.
* Amadeu Garrido de Paula é advogado especialista em Direito Constitucional, Civil, Tributário e Coletivo do Trabalho.