26 / 03 / 20

O comportamento do Comércio Internacional no século XXI: do Capitalismo Industrial ao Capitalismo 4.0

Nestes primeiros vinte anos do século XXI, todos os cientistas sociais e mesmo os experimentais vivem o grande desafio de não se deixarem influenciar pelos paradigmas do século XX – muitos deles foram substituídos ou modificados, mas ainda representam conhecimentos, mesmo que superados, arquivados no mental do sapiens. Toda atenção é necessária para que não utilizemos o conhecimento vencido do século anterior, pois poderá levar ao erro de fundamento científico.

Atualmente é consenso entre os cientistas que o “conhecimento” é um fator de produção acumulativo e ilimitado e não está qualificado na lei dos rendimentos decrescentes, como estão todos os outros fatores de produção classificados em: capital humano, recursos ecológicos, capital de infraestrutura e tecnologias, que são limitados e se enquadram na citada lei econômica.

O destaque dado ao fator “conhecimento” se justifica pelo fato de que a sua utilização aumenta, gerando mais conhecimento, diferentemente dos outros fatores que diminuem ao serem utilizados.

As evidências comprovam que o referido aumento do conhecimento tem ocorrido em uma progressão geométrica. Mesmo com a compreensão de que um novo conhecimento pode invalidar o anterior, o novo conhecimento sempre será mais efetivo.[1]

Com a intenção de universalizar nosso tema, vamos contextualizar o termo “comércio internacional” que junto com o “sistema financeiro internacional” formam duas matérias de uma disciplina denominada Economia Internacional que, agregada a outras, contemplam o Compartimento da Teoria Econômica.

O estudo da ciência econômica é facilitado pela divisão de três compartimentos:[2]

  1. A teoria descritiva, que descreve as ações econômicas.

  2. A teoria econômica, que, ao receber as descrições, as transforma em leis e teorias. Estas teorias são subdivididas em:

    • Microeconomia (leis e teorias dos agentes individuais),

    • Macroeconomia (leis e teorias dos agentes agregados),

    • Teoria econômica ecológica (leis e teorias ecológicas).

  3. Política econômica é a aplicação das leis e teorias econômicas pelas instituições e agentes econômicos privados e públicos.

[1] Efetivo (eficiente + eficaz).

[2] Almeida (2012, p. 99).

[1] Artigo publicado na Revista Brasileira de Comércio Exterior, 2020
[1] Efetivo (eficiente + eficaz).
[1] Almeida (2012, p. 99).

Ainda no contexto acadêmico, o “comércio internacional” é a troca de bens econômicos[1] entre fronteiras internacionais. Historicamente, o comércio internacional faz parte da história da humanidade.

Este tipo de comércio sempre foi pauta desde quando as ações humanas econômicas começaram a ser estudadas pelos fundadores da ciência econômica, como Antoine de Montchrestien (15751621), François Quesnay (1694-1774), Anne Robert Jacques Turgot (17271781), Adam Smith (1723-1790), David Ricardo (17721823), Thomas Robert Malthus (1766-1834), John Stuart Mill (1806-1873) Jean Baptiste Say (1767-1832), Karl Marx (1818-1883), Ludwig Heinrich Edler von Mises (1881-1973).

Um período de grandes trocas internacionais iniciou-se em VIII a. C.[2] com a “rota da seda”, denominação dada para o caminho entre o Oriente e o Ocidente unindo duas grandes civilizações de culturas e costumes muito diferentes, representando a primeira globalização promovida pelo homo sapiens, um marco histórico do comércio internacional. O comércio era intenso e contínuo, o Oriente exportava seda, perfumes, ervas aromáticas e o almíscar tibetano, e o Ocidente exportava ouro, marfim, peles de animais africanos, cavalos, camelos, vinho e ferro.

Esta rota teve uma duração de mais de mil anos, com muitas histórias contadas: uma famosa foi a do veneziano Marco Polo entre 1275 e 1295. Nos períodos sequentes, nesta região, ocorreram muitas guerras lideradas por Tamerlão, sucessor de Khan, que frequentemente bloqueava a rota da seda e seu comércio. Este fato foi um estímulo para que as nações europeias da época buscassem rotas alternativas para chegar ao Extremo Oriente, contornando a África pelo mar. Foram os portugueses os primeiros a inaugurar esta nova rota no século XV, mais barata, rápida e segura. Este novo caminho coloca fim à milenar rota das sedas e como consequência um aumento exponencial de movimento de mercadorias e recursos humanos escravos das colônias para os países colonizadores.

Outro marco da expansão do comércio internacional antecedeu a Primeira Guerra Mundial, entre os séculos XIX e XX, até 1914. É considerado o período de mais rápido crescimento de todos os séculos anteriores e ocorreu em especial nos países desenvolvidos da época, que se mantêm neste estágio hoje, na Europa (Reino Unido, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Suíça, Escandinávia) e nos Estados Unidos da América do Norte. Os números demonstram o modelo de domínio destes países no comércio internacional. A Europa comprava 80% dos produtos exportados pela Bélgica, Alemanha, Holanda e Argentina; da Rússia e Austrália, mais de 75%; França e Itália, 60%; e aproximadamente a metade dos produtos da Índia e Canadá. No Reino Unido, o comércio internacional se repartia entre as colônias e a Europa. Nessa época, as trocas internacionais eram de matérias-primas e produtos agrícolas por produtos manufaturados e trocas de manufaturados entre os países então industrializados. Este glamoroso período de comércio internacional termina com o início da Primeira Guerra Mundial.

A Europa viveu um longo período de guerra mundial que durou 29 anos entre 1914 até 1945. As consequências foram de profundas mudanças na natureza das relações econômicas internacionais, retirando a Europa do contexto de liderança do comando da política mundial, como acima descrito, no período anterior a 1914.

[1] Tudo que atende às necessidades humanas e é produzido pelo homem, e outros fatores (bens e serviços).

[2]Informado pelo historiador e arqueólogo Frantz Grenet, da École Normale Supérieure de Paris, França.

[1] Tudo que atende às necessidades humanas e é produzido pelo homem, e outros fatores (bens e serviços).
[1]Informado pelo historiador e arqueólogo Frantz Grenet, da École Normale Supérieure de Paris, França.

Novos sistemas econômicos foram experimentados nesse período de guerras, o socialismo implantado na Rússia a partir de sua revolução em 1917 que durou 70 anos, e o fascismo aplicado inicialmente na Itália e Alemanha no fim da Primeira Guerra Mundial e eliminado no final da Segunda Guerra Mundial. Nesse período, também ocorreram modificações das bases de funcionamento do Capitalismo. Como cita em seu artigo, o embaixador Paulo Almeida (2001), pg. 117:

O processo de globalização se viu dificultado pelas crises do entreguerras, assim como foi interrompido em todos aqueles países que optaram, voluntariamente ou não, pelo modo socialista de produção. Esse intervalo seria de setenta anos no caso da Rússia e menos nas outras experiências de transformação da economia capitalista, mas o impacto real do socialismo foi bastante pequeno para a economia internacional, quase marginal em termos de comércio, finanças e investimentos. O fascismo e o nacional-socialismo, embora também tenham exercido certo impacto econômico nos países dominados por esses regimes nos entreguerras, representaram, antes, desafios ao liberalismo político, do que implicaram transformações radicais da economia capitalista.

Todos estes fenômenos sociais, políticos, econômicos e de guerra não impediram o comércio internacional, aliás pelo contrário, foram intensificados.

Revendo um resumo da história do comércio internacional, ao olharmos o contexto histórico por períodos mais longos, sem estudos científicos profundos, observamos de forma empírica que mesmo com retrocessos periódicos, o comércio internacional renasce maior que no período anterior e sempre contribuindo em combater o permanente desafio do homo sapiens que é vencer a escassez. Cita Paulo Almeida (2001, p.119):

Antes mesmo da terceira onda de globalização manifestar-se como tendência da economia internacional no último quinto do século XX, novos atores já tinham sido incorporados ao sistema global de produção mercantil — os novos países industriais ou economias emergentes —, países da periferia capitalista que lograram desenvolver um sistema industrial integrado e relativamente competitivo, capaz de fornecer mercadorias a baixo custo e adaptadas aos padrões industriais dominantes. Esses países — Coreia do Sul, Brasil, México, Tailândia, além de outros na periferia dinâmica do capitalismo global — combinaram mecanismos de mercado e de indução estatal para constituir, via substituição de importações ou integração aos circuitos produtivos das corporações mundiais, sistemas produtivos performantes e capazes de digerir a moderna tecnologia industrial, ainda que com certa dose de mimetismo dos modelos avançados de design, de inovação e de marketing. (Almeida, 2001, p. 119)
Após a Segunda Guerra Mundial, vemos uma crescente participação do comércio internacional, com o desenvolvimento industrial, avanço dos meios de transporte e comunicação, multinacionais e sua transformação transnacionais, a globalização, o surgimento de outsourcing[1] que tiveram impacto sobre o produto interno bruto (PIB) de muitos países, influenciando na distribuição de renda mundial.

[1] Outsourcing = terceirização.

A economia internacional ingressa numa fase de expansão nas três décadas seguintes à Segunda Guerra, com o aumento do comércio e dos investimentos diretos ultrapassando o ritmo de crescimento do produto global. Os Estados Unidos, que tinham emergido como a grande potência econômica no imediato pós-guerra — detendo cerca de 25% do produto e do comércio mundiais — recuam para posições mais modestas no decorrer do período, à medida que o Japão e os países europeus retomam os patamares de produção anteriores à guerra e passam a participar mais ativamente dos intercâmbios globais. O dólar se tinha convertido, entrementes, em moeda praticamente absoluta nas trocas internacionais, o que suscitou algumas dúvidas sobre seu real poder de compra, uma vez que o governo americano, pressionado pelas despesas decorrentes dos encargos militares assumidos no plano mundial (inclusive com a custosa guerra do Vietnã), passou a emitir em ritmo superior ao crescimento da produtividade na economia dos EUA. (Almeida, 2001, p. 118)

Os números demonstram que nesse período houve aumento do comércio internacional do Produto Interno Bruto Mundial (PIBM) per capita, como pode ser observado no Quadro 1.

Quadro 1. Produto Interno Bruto Mundial (PIBM) e PIBM per capita

Anos
População
Mundial (bilhões)
PIBM (USD trilhões)
PIBM per capita (USD)
1960
3.032
1,345
446,47
1970
3.686
2,940
797,59
1980
4,439
11,100
2.499,91
1990
5,288
22,540
4.262,85
2000
6,122
33,570
5.484,06
2010
6,933
60,140
9.513,62
2017
7,530
80,680
10.714,47

Fonte: Banco Mundial. Elaborado por Madi e Almeida, 2020.[1]

O sentido dos números apresentados é entender o que significa a globalização, o novo Capitalismo da informação e a nova participação das trocas internacionais para a diminuição da escassez mundial e o estreitamento da renda pessoal disponível entre os homo sapiens localizados nos países do Primeiro Mundo com os dos países do Terceiro Mundo, para que ocorra a extinção da “migração da fome e das guerras regionais localizadas no Terceiro Mundo”.

A crítica sobre globalização econômica ou globalização ideológica passa pelo desconhecimento do significado. Expõe Almeida (2012, p. 269-270):

(…) a globalização não é uma criação diabólica de um grupo de pessoas que se reúnem no Pentágono com o objetivo de dominar o mundo, ou qualquer outro tipo de estratégia para lesar os países pobres e desprotegidos e escravizar seus povos. Ou ainda, como muitos desinformados comentam, a globalização não só interessa para os
países ricos como também se um país, ou países, tiver a capacidade de criar uma tendência obrigatória, sem uso de armas.
                E continua:
Na realidade, a globalização foi criada pela ação individual de vários executivos, que, mesmo em empresas distintas e países diferentes, e sem se conhecerem, descobriram, ao mesmo tempo, que as necessidades humanas são semelhantes e a escassez é a mesma, independentemente da localização geográfica, política ou social.

[1] Artigo em elaboração. Economia 4.0 (Madi e Almeida, 2020).

Contemporaneamente existem arautos do apocalipse globalista que querem voltar ao período mercantilista pelo risco de gerar desemprego, como se ainda estivéssemos vivendo a era industrial, que há muito passou o bastão para a era do conhecimento, que modificou com profundidade as relações de produção e a valoração dos seus fatores de produção – o fator de produção do conhecimento relativizou os outros fatores, inclusive do capital humano.

Estes arautos não são novidade na história humana, foram fomentadores de guerras nos períodos de pré-abundância de trocas entre os povos, historicamente comprovado pelo período do exuberante comércio internacional, que antecede a Primeira Guerra Mundial.

A história também tem indicado o crescimento do comércio internacional gerador do crescimento econômico mundial, que retorna sempre maior e mais potente, como retornou nos primeiros trinta anos, pós-Segunda Guerra Mundial.

As métricas, os gráficos não fazem a história, “contam a história”, “demonstram os fenômenos ocorridos” em vários períodos vividos pelo homo sapiens, e sua permanente busca da sobrevivência e melhor qualidade de vida.

O aumento do comércio internacional gera o aumento do PIB dos países e como consequência o PIBM.

O Quadro 1 mostra as métricas oficiais do Banco Mundial, em que a população mundial em 2017 era de 7, 530 bilhões, o PIBM por pessoa no mesmo ano era de US$ 10.714,47, este valor era 24 vezes superior ao PIBM de 1960, que representava US$ 446,47 per capita, para uma população mundial de 3.032 milhões de pessoas, nesse ano.

Oportuno citar que o fechamento do país para o comércio internacional acarreta um aumento de escassez, ou seja, uma diminuição de riqueza e uma concentração de renda na mão de poucas famílias, como mostra Paulo Almeida:

No que se refere, por outro lado, à concentração de rendas no interior dos países, cabe lembrar que as variáveis desse processo são muito mais amplas do que a simples exposição de um país à interdependência global e que o Brasil, por exemplo, tornou-se um campeão das desigualdades sociais numa fase de notório fechamento externo da economia e de acirrado protecionismo comercial. O coeficiente de Gini (medida da concentração de renda) já era bastante elevado — em comparação com países apresentando níveis similares de desenvolvimento — quando o Brasil vivia em relativo isolamento econômico, com uma autonomia produtiva de cerca de 95% e uma tarifa alfandegária média de 45% (Almeida, 2001, p. 128).

A compreensão destes números passa pelas bases técnicas da principal fonte de produção de bens e serviços da sociedade: “o conhecimento”, sua produção e sua incorporação nos diversos processos produtivos, organizacionais e no marketing global e seu resultado denominou-se “inovação”. Nasce a Economia 4.0, a economia da informação na nova Sociedade do Conhecimento.
De acordo com o Manual de Oslo (1990, p. 55)

Uma inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas.

Segundo o manual, diferenciam-se quatro tipos de inovação: de produto, de processo, de marketing e organizacional (Manual de Oslo, 1990, p. 57).

O conhecimento é o fator de produção da inovação. “A inovação é o conhecimento que gera bens ou serviços econômicos”, para as ilimitadas necessidades humanas que são atendidas pelas escolhas dos bens, definidas pelos desejos dos que possuam a renda necessária para efetivar a compra (demanda).

Quanto maior o “estoque de conhecimento” de um país ou região, maior serão os números de inovações. E a produção do conhecimento ocorre nas universidades públicas e privadas, nos centros de pesquisas, nas unidades de produção (empresas). Os investimentos em investigação e desenvolvimento (I&D) vão determinar um maior ou menor estoque de conhecimento.

O I&D mundial para a criação do conhecimento em 2010, representava na América do Norte 36,2%, Ásia 31,2%, Europa 27,3% e para o restante do planeta 5%. O que comprova que na economia da informação a produção de conhecimento era concentrada e oligopolizada. Este fato irá influir definitivamente no comércio internacional em relação aos bens e serviços importados e exportados.

Mais uma vez o conhecimento vem ao encontro de atender esta ação humana de oferta e procura, como afirma Arce (2014, p. 16):

Efetivamente, a capacidade de possuir o conhecimento e o saber antes da produção das mercadorias está revolucionando o processo produtivo capitalista, já que agora se produzirá o que o consumidor “queira” e “possa” comprar. Na economia da informação e na sociedade do conhecimento, o capitalismo tende, de mais em mais, a produzir (em tempo real e “on-line”) o que previamente vendeu. O método Ohno — à diferença do taylorista —, ao organizar o trabalho desde a demanda para a oferta, permite que possam ser conseguidos novos aumentos de produtividade (do trabalho vivo e do capital), por procedimentos que eliminam tanto os tempos mortos como os gestos inúteis dos trabalhadores.

Para projetar o comportamento do comércio internacional do século XXI é necessário o estudo da nova teoria do crescimento econômico, conforme abordagem de Schumpeter (1982) e Romer (1986) apud Parkin (2009, p. 566) que se fundamenta em dois fatos sobre economia de mercado:

  • as descobertas resultam de escolhas;

  • as descobertas levam ao lucro, e a concorrência destrói o lucro.

Dois outros fatos exercem um importante papel na nova teoria do crescimento, como afirma Paul Romer (1986):

  • as descobertas serem um bem de capital público;

  • o conhecimento ser um capital que não está sujeito à lei dos rendimentos decrescentes.

Esta nova teoria substitui a teoria malthusiana e justifica a necessidade da globalização. Para o malthusiano, a quantidade de homo sapiens no planeta é parte do problema, para a nova teoria, a quantidade populacional é parte da solução. Quanto mais pessoas maior o fator de produção de capital humano e mais ilimitadas as necessidades humanas a serem atendidas, ampliando as possibilidades de demanda e estimulando a mais descobertas científicas, mais inovações sustentáveis com novos bens econômicos e um crescimento de produtividade, com aumento do PIB real per capita de forma crescente e ilimitada.

Quanto maior a globalização, maior o comércio internacional, maior a demanda, maior a necessidade de produtividade através da inovação, gerada pelo estoque de conhecimento ilimitado e acumulativo.

A maioria dos recursos produtivos são limitados, é verdade, mas a capacidade humana de aumentar a produtividade pela inovação é ilimitada.

Outra profunda modificação no comércio internacional ocorre com a valorização dos tipos de bens econômicos a partir de 1930, acelerada a partir de 1970, na economia 4.0. Predominava até os anos 1930 os bens econômicos materiais e tangíveis, com elevado custo de transporte; estes vão perdendo o espaço para bens econômicos, denominados bens de serviços imateriais e intangíveis associados ao setor terciário, quaternário[1] e quinário[2] da economia, com um valor agregado de conhecimento maior, o que irá influenciar em muito nos modelos de trocas internacionais.

Segundo Arce (2014, p. 21):

[1] O setor quaternário abrange as atividades intelectuais da tecnologia, como geração e troca de informação, educação, pesquisa e desenvolvimento e a alta tecnologia, investigação e criação do conhecimento (I&D).
[2] O setor quinário são setores com atividades econômicas não monetizados, mas influem na economia, como por exemplo os serviços de limpezas das casas realizadas pelos moradores, os cuidados dos avós-babás dos netos etc.

É a partir dos anos 1930, quando o imaterial se associa às atividades do setor “terciário”, que seu estudo acede às preocupações teóricas e analíticas dos pesquisadores e de outros profissionais da Economia e da Política. A fulgurante ascensão das produções imateriais e dos bens intangíveis a partir dos anos, em todas as sociedades e economias do planeta, começou a ser analisado sob o ângulo dos “serviços” (do Latim, Servitium: escravatura, servidão); esse termo compreende atividades tão diversas como é o caso dos serviços pessoais, financeiros, culturais, turísticos, comerciais, transporte, sistemas de saúde, segurança pública e nacional, a educação etc.

Os indicadores da difusão do conhecimento medem o usufruto da inovação científica e técnica por número de usuários representados pelas pessoas físicas ou jurídicas, públicas, privadas ou mistas distribuídos em todos os países do planeta, como, por exemplo, o número de usuários da internet para cada mil, número de telefones celulares para cada mil computadores, tabletes etc. Esses bens econômicos são produzidos em determinadas regiões e distribuídos para todos os países influenciando nos números do comércio internacional.

Todas essas inovações que ocorrem no fluxo real da economia, nas quais trafegam os fatores de produção dos bens econômicos e os próprios bens e serviços é que irão moldar o comércio internacional do século XXI, irão se somar às profundas modificações ocorridas nesta passagem de século, no fluxo monetário da economia mundial, que no final da Primeira Guerra Mundial inicia o final do padrão ouro para as moedas estatais e elimina este padrão monetário de forma unilateral pelos Estados em 1971.

Paulo Almeida assim descreve esta mudança de paradigma monetário:

Os sistemas financeiros nacionais, finalmente, interagiram de maneiras diversas com os processos produtivos, as correntes de comércio e os movimentos de capitais, ao passo que o padrão monetário internacional passou por mudanças radicais, abandonando a referência exclusiva ao ouro como garantia de liquidez e a rigidez das paridades cambiais do começo do século em favor de formas variadas de um regime de flutuação que tornou-se praticamente universal em seu final, com as poucas exceções dos sistemas de conversão (currency boards). A primeira idade do ouro do capitalismo encerrou-se abruptamente com a Primeira Guerra Mundial e as tentativas posteriores de voltar ao padrão ouro, em sua forma clássica, revelaram-se infrutíferas, até que a crise de 1929 e as desvalorizações cambiais maciças ocorridas em seu bojo enterraram de vez essas pretensões. Os movimentos de capitais deixam de ser livres nos anos 1930, já que os governos passam a alimentar a ilusão de poder controlar a especulação, assim como eles pretendem evitar os efeitos nocivos de choques externos sobre a economia doméstica, atuando sobre os juros e a demanda para combater o desemprego. A reorganização monetária efetuada pela conferência de Bretton Woods determinou o surgimento de um padrão ouro-dólar e de um regime de paridades fixas (mas ajustáveis) que funcionou durante um quarto de século, se tanto, até que o fenômeno inflacionário e os desequilíbrios externos dos Estados Unidos terminaram por romper a paridade de 35 dólares por onça de ouro que prevalecia desde 1934. O Fundo Monetário Internacional foi criado para corrigir desequilíbrios temporários de balança de pagamentos e para administrar esse regime de paridades correlacionadas, mas teve que renunciar a essa segunda missão quando ocorreu a decretação unilateral da suspensão da conversibilidade do dólar em ouro em 1971 (Almeida, 2001, p. 114).

A mudança da era Industrial – Economia 3.0 – para a era do Conhecimento – Economia 4.0 – ocorre no mesmo momento em que todas a áreas do conhecimento com mudanças disruptivas ou não, como a Revolução Industrial 4.0,[1] o Marketing Digital 4.0,[2] a Educação 3.0,[3] Educação 4.0,[4] o Direito 4.0, Saúde 4.0, Medicina 4.0, Sustentabilidade 4.0, Biologia 4.0, Química 4.0, Física 4.0 e todas estas mudanças irão influenciar o sistema econômico capitalista, que se reinventa a partir da década de 1990 com a internet.

 A esta nova era da humanidade chamaremos de Sistema Capitalista 4.0 que coleciona outros apelidos como Capitalismo da Informação, Capitalismo Tecnológico, Capitalismo do Conhecimento, Capitalismo dos Dados e Cibereconomia.

As mudanças ocorridas neste novo sistema econômico irão modificar os sistemas de produção, distribuição dos bens econômicos e de renda, em que ocorrem mudanças em leis econômicas da vantagem comparativa, na divisão do trabalho e muitas outras que ficarão arquivadas na velha economia. As inovações disruptivas como a internet das coisas, as cidades inteligentes, o blockchain, as criptomoedas, a nanotecnologia, a nano biologia, os computadores dirigíveis, a impressora 3D, a inteligência artificial (IA), a exclusão do intermediário na lei da oferta e procura (peer-to-peer), que aumentam a velocidade do fluxo real e monetário. Segundo Madi e Almeida (2020):

[1] Schwab (2019).
[2] Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017).
[3] Fava (2014).
[4] Reis (2019).

Em particular, na Economia 4.0 vai se configurando um processo de aumento da velocidade das trocas que surge com a economia na economia Ponto-a-Ponto (P2P). A economia peer-to-peer (P2P) é uma economia em que quaisquer pessoas podem transacionar diretamente, sem precisar de intermediários. Recentemente este conceito tem sido a base de desenvolvimentos tecnológicos que decisivamente influenciou as práticas comerciais e de distribuição com redução de custos e definição de novas modalidades de acesso.

Vivemos um momento de construção de novos modelos substituindo os velhos, que vão sendo desconstruídos; este é o caso do sistema capitalista que reinventa seus princípios e instituições que eram fundamentais na velha economia.

O capitalismo está reinventando-se e abandona progressivamente a tradicional economia de mercado em benefício da economia em rede. […] Não esqueçamos que numa economia em rede, a propriedade continua existindo, mas se troca a cada vez menos. Aos compradores e vendedores substituem-lhes os mutuários e os usuários (Arce, 2014, p. 21).

No Capitalismo 4.0, os bens econômicos de produção ou de consumo “materiais tangíveis” são cada vez menos importantes em relação aos bens econômicos “imateriais”.

O novo capitalismo impõe um poder de negociação centrado no conhecimento, nas ideias, nas marcas registradas, nos direitos de reprodução, nos segredos de produção e distribuição e redes de relações que definem o novo sistema econômico capitalista 4.0, composto de “supermutuários” que controlam a rede de “usuários”. Este novo modelo econômico irá favorecer um pequeno número de organizações mundiais (transnacionais) e seus parceiros pelo comércio internacional (offshoting),[1] como foi previsto por Schumpeter (1982, p. 87).

O novo sistema econômico tende a eliminar os intermediários na maioria das operações de demanda e oferta. O sentimento do direito de propriedade vai sendo substituído pelo direito de uso, e os vendedores e compradores vão sendo transformados em mutuários e usuários, o patrimônio material perde valor comparado com o patrimônio imaterial. Na era do conhecimento, este é o que tem valor, e como o conhecimento, as descobertas são um “bem público”,[2] o que significa que ninguém pode

[1] É o modelo de realocação de processos de negócio de um país para outro.
[2] “Bem público” é um termo empregado pelos economistas.

No Capitalismo 4.0, os bens econômicos de produção ou de consumo “materiais tangíveis” são cada vez menos importantes em relação aos bens econômicos “imateriais”.

O novo capitalismo impõe um poder de negociação centrado no conhecimento, nas ideias, nas marcas registradas, nos direitos de reprodução, nos segredos de produção e distribuição e redes de relações que definem o novo sistema econômico capitalista 4.0, composto de “supermutuários” que controlam a rede de “usuários”. Este novo modelo econômico irá favorecer um pequeno número de organizações mundiais (transnacionais) e seus parceiros pelo comércio internacional (offshoting),[1] como foi previsto por Schumpeter (1982, p. 87).

O novo sistema econômico tende a eliminar os intermediários na maioria das operações de demanda e oferta. O sentimento do direito de propriedade vai sendo substituído pelo direito de uso, e os vendedores e compradores vão sendo transformados em mutuários e usuários, o patrimônio material perde valor comparado com o patrimônio imaterial. Na era do conhecimento, este é o que tem valor, e como o conhecimento, as descobertas são um “bem público”,[2] o que significa que ninguém pode ser excluído de sua utilização, o uso por uma pessoa não impede que outras o utilizem. A segurança Nacional é um bem público. O crescimento econômico sustentável também.

[1] Schwab (2019).
[1] Kotler, Kartajaya e Setiawan (2017).
[1] Fava (2014).
[1] Reis (2019).
[1] É o modelo de realocação de processos de negócio de um país para outro.
[2] “Bem público” é um termo empregado pelos economistas.

No velho capitalismo, o crescimento econômico de um país tinha que seguir um caminho árduo e sempre com frustrações de “voos de galinha”. A natureza não dava saltos, acreditavam seus teóricos. Com o Capitalismo 4.0, os países podem dar saltos, desde que utilizem os caminhos desta nova era. Um indicador é o conhecimento que, sendo um bem público, à medida que os benefícios de uma nova descoberta se disseminam, recursos gratuitos serão disponibilizados, a exemplo da internet, que aumentou a produtividade mundial, o celular que vai se consolidando como um veículo que deverá dar a mesma qualidade de atendimento na saúde, na educação, na segurança etc.

No Capitalismo 3.0 que se manteve até 1990, segundo Baldwin (2011, p. 3):

Quando as teorias da primeira geração funcionaram (ISI) – como nos EUA, Alemanha, Japão etc. – industrialização significava construir toda a cadeia de suprimentos em casa. O fato fundamental foi que nenhuma nação poderia se tornar competitiva globalmente sem uma base industrial ampla e profunda. A construção dessa cadeia de suprimentos levou décadas, portanto considerações de escala, coordenação e compromisso colocaram enormes desafios de desenvolvimento”.

No Capitalismo 4.0, era da Economia 4.0, ocorre uma mudança como informa Baldwin (2011, p. 3):

A mudança radical na natureza da globalização — o que às vezes é chamado de globalização 2ª desagregação — superou esse fato importante. A 2ª desagregação abriu um novo caminho de industrialização. Hoje, os países podem se industrializar ingressando em uma cadeia de suprimentos — não precisam mais construir uma cadeia de suprimentos. De fato, em algumas indústrias, o conceito de oferta de uma nação corrente desapareceu. Atualmente, nenhuma nação produz todas as peças e componentes necessários para fabricar aeronaves, carros ou eletrônicos. Algumas nações são economias-sede, outras são economias de fábrica, mas ninguém tem toda a cadeia de valor. Isso importa.

Esta nova percepção do século XXI, com a adoção da política da “cadeia de suprimentos”, é que explica o crescimento acelerado dos países do leste da Ásia, como recentemente o Vietnã, e a história impressionante da China. Na Europa Oriental, os países que participavam da antiga União Socialista Soviética e adotaram para suas unidades de produção a nova política de comércio internacional estão vivendo crescimentos acima dos países ricos, nas Américas as indústrias do México seguem este caminho. A comprovação está no crescimento dos países, que até meados de 1980, os países ricos cresciam mais que os pobres. Os países em que suas unidades de produção escolheram o caminho da “cadeia de suprimentos”, passaram a crescer mais que os países ricos.

O comércio internacional vem crescendo sistematicamente em média 5,4% anualmente nestes primeiros vinte anos do século XXI, duas considerações são importantes para entender este crescimento; primeiro a imaterialidade dos bens econômicos agregados de conhecimento, em segundo lugar, considerar que se tornou fundamental para o processo produtivo das unidades de produção (empresas) organizarem-se em cadeias produtivas internacionais, que passam a depender das trocas para a produção de bens intermediários, e não mais somente bens de consumo final.

Para o Brasil, que até este início de 2020 não experimentou o Capitalismo 4.0, considerando que nossa participação é muito pequena nas cadeias globais de valor (CGVs) comparado aos outros 25 países de mesmo estágio econômico, estávamos em vigésimo segundo lugar em 2010, indicava os dados  da Unctad.[1] Ainda dados desta instituição nesse mesmo ano, 87% do valor agregado às exportações brasileiras totais haviam sido adicionados aos bens econômicos nacionais, o que vai contra a história dos países de forte crescimento, pois a participação da pauta brasileira de commodities e bens primários são robustas. A maior parte que o Brasil exporta são bens econômicos brasileiros. Confirmamos que estamos na contramão do Capitalismo 4.0.

[1] A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), criada em 1964, em Genebra.

Ao compararmos o PIB dos países do porte do Brasil que atotaram o Capitalismo 4.0 com o PIB brasileiro de 1994, ano do lançamento do plano real até o PIB de 2018, vamos observar que não crescemos a metade que eles cresceram economicamente neste mesmo período.

Concluímos que o Capitalismo 4.0 não é mau nem bonzinho, mas é um reflexo da atitude de um povo, de um país. O novo Capitalismo indica que, diferentemente do passado, a Economia 4.0 pode dar saltos e o Brasil tem tudo para construir este caminho, adotando o Capitalismo 4.0 por meio de políticas contemporâneas no comércio internacional e utilizando da capacidade de seu povo para criar conhecimento e transformá-lo em inovação. Certamente este é o caminho para nos transformarmos no celeiro do mundo.

  • Luiz Carlos Barnabé de Almeida é Vice-Presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, Economista, Palestrante e Divulgador da Escola Austríaca

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Luiz Carlos Barnabé de Almeida

Endereço para acessar este CV: http://lattes.cnpq.br/7674706654735593 Corecon/SP no. 5.697. FENAJ BRF no. 8.648. CRECI 86589. Economista, jornalista, mestre em administração e pesquisador. Resumo acadêmico Mestrado em Administração na Universidade Municipal de São Caetano do Sul (2013). Linha de Pesquisa: Gestão para o Desenvolvimento e Regionalidade. Grupo de Pesquisa: Gestão para o Desenvolvimento Sustentável – USCS (2012/19). Linha de Pesquisa: Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável – Universidade Santa Cecília (2015/19). Possui Especialização de Administração Econômica por Objetivos (1974), Especialização em Educação e Meio Ambiente (2005), Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1970) e Graduação em Comunicação Social - Jornalismo pela Faculdade Varzeagrandense de Comunicação Social (1995). Professor Universitário de Economia para os cursos Economia, Direito, Jornalismo, Administração, Tecnólogo Superior, Saúde, Engenharia e Relações Internacionais. Autor do Livro Introdução ao Direito Econômico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Coautor dos livros: Coleção de 16 Volumes III Encontro de Internacionalização do Conpedi /Universidad Complutense de Madrid. Madrid ES, Ediciones Laborum. 2015. Capítulo: Zona Livre de Arbitragem: Brasil para o Primeiro Mundo. Vol. 08 pg. 144. ISBN (Internacional): 9788492602988/2015 O CADE e a Efetividade de suas Decisões 1. ed. Apoio CNPq. BH: Arraes Editora/ 2014 Gestão para o Desenvolvimento Sustentável 1. ed. São Paulo Globus/2013. Ciência Econômica aplicada ao Tecnólogo 1. ed. São Paulo: LCBA, 2011. Resumo profissional. Superintendência do Centro Oeste – SUDECO: Ministro Andreazza - 1975/1982 Secretário de Planejamento Econômico de MT – Governo Júlio Campos – 1983/86. Suplente de Deputado Federal Constituinte 1987/90. Diretor da TV Bandeirante - Cuiabá/MT 1987/1990. Superintendente da Pós-Graduação da UNIC – Universidade de Cuiabá 1991/2004. Mantenedor da Instituição de Ensino Superior - IES Terra em Campo Grande/MS. 2004/2008 Vice-Reitor da UNIBAN – Universidade Bandeirante. 2004/2005. Consultor Educacional das IES: UNIRONDON/MT. UCDB/MS, FTC/BA. 2006/2007 Vice-Presidente do CORECON SP, período 2015/17. Atualmente Vice-Presidente da Ordem dos Economistas do Brasil Diretor Superintendente da Dig&tal Inteligência Artificial – Economia - Direito Diretor do Comitê Economia 4.0 da Ordem dos Economistas do Brasil Diretor Institucional da ABCONT – Associação Brasileira de Contribuintes Diretor Cultural da ADESG Associação dos Delegados da Escola Superior de Guerra de Santos. Professor Universitário da UNIP SANTOS Professor do IbiJus Instituto Brasileiro de Direito Professor do Burke Instituto Divulgador da Escola Austríaca Articulista da Revista Evidência Colaborador do Blog Oito e parceiros WCS Consultor Educacional Consultor de Marketing Palestrante.

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