18 / 07 / 24

DERROTADO PELAS PERDAS

Segundo dados da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) o prejuízo das distribuidoras de energia elétrica com as perdas não técnicas em 2023 foi da ordem de R$ 10 bilhões. Perdas não técnicas é um eufemismo que está sendo utilizado para o somatório dos furtos, fraudes, erros de leitura, medição e faturamento. Desse total, temos R$ 6,9 bilhões repassados para as tarifas do ano seguinte e R$ 2,9 bilhões são absorvidos pelas distribuidoras, ou seja, os consumidores assumem 70% desses prejuízos e os 30% restantes das perdas vão para os acionistas das empresas.

DERROTADO PELAS PERDAS

A ANEEL, todos os anos, define um nível regulatório para cada distribuidora e uma meta para o Brasil como um todo. É um histórico que se conhece tecnicamente como “Trajetória Regulatória”, sempre colocando para o próximo ano uma meta melhor  a ser alcançada na qualidade do serviço. A meta no ano passado para o total de perdas no país foi definida em 11,2% da energia total consumida, mas os furtos e as fraudes nos medidores ficaram em torno dos 15,7%. Assim, o valor não faturado pelas distribuidoras foi de 38,2 TWh (trilhões de quilowatts-hora) quando o nível regulatório estabelecido era de 27,3 TWh. Portanto, pelas regras atuais, esse patamar estabelecido pela ANEEL é absorvido pelas tarifas de 2024 e a diferença de 10,9 TWh é a glosa de perdas que vai como sinal negativo para os dividendos dos acionistas.

No mercado de baixa tensão, o campeão das perdas em 2023 foi o Amazonas (Amazonas Energia) com 119,8%, quando a ANEEL só reconheceu 64,5%. O vice-campeão foi o Amapá (Companhia Energética do Amapá – recém adquirida pelo Grupo Equatorial)) com 67,4% sendo que 45,7% foram reconhecidos pelo Regulador e, em terceiro lugar, vem o Rio de Janeiro (Light em 30% dos municípios e a Enel RJ em 70%), tendo sido registrado 54,9% como perdas reais, sendo que o regulatório definia em 33,8%.

Se formos considerar nosso mercado total de baixa tensão em volume de energia elétrica, as perdas da Light representam um pouco mais de 20%, a da Amazonas Energia em torno de 12% e as da Enel RJ em torno de 6%. O peso dessas perdas na tarifa residencial dos consumidores do Amazonas é de 13,4% e de 10,5% para os do Rio de Janeiro. No Amapá ainda está em suspense, pois o reajuste tarifário foi calculado inicialmente em 44,1% e considerado absurdo pelo governo federal que vai “ajudar” destinando recursos no valor de R$ 224 milhões através da Medida Provisória 1.212/2024, abrindo assim um espaço para empresas que estiverem em dificuldade financeira venham ao Planalto pedir socorro.

Sobre esse assunto de perdas não técnicas de energia elétrica, quase sempre ouvimos a pergunta: se a legislação permite, porque a concessionária distribuidora não faz o corte da energia elétrica? Essa é, realmente, uma medida legal adotada nos países desenvolvidos e em muitos emergentes. Mas no Brasil é diferente, é preciso uma abordagem mais complexa, que me faz lembrar uma parábola que existe há mais de 3.000 anos: a dos cegos e o elefante. O desafio é para três cegos identificarem um elefante: o primeiro tocou na pata do bicho e disse que aquilo era uma coluna, só que móvel; o segundo alisou a orelha do animal e, por ter tocado numa superfície plana, disse que era um tapete; o terceiro passou a mão no tronco do mamífero e concluiu que era um grande barril que se mexia. O que fica evidente na história é a dificuldade que se tem em compreender o todo, partindo-se de um suposto conhecimento das partes.

A inadimplência pode ser de um mau pagador, mas também pode ser mesmo pela falta de recursos de uma população muito pobre e que a conta de luz a cada ano assume uma maior proporção nos seus parcos rendimentos. A energia elétrica está cada vez mais cara para o consumidor cativo por várias razões, dentre elas: políticas públicas que devem ser custeadas pelo Tesouro Nacional, mas vão para o consumidor de eletricidade pagar; subsídios diversos que nunca terminam, já deveriam ter deixado de existir; migração de grandes consumidores para o mercado livre deixando custos de contratação para quem continuou no mercado regulado; custos da geração distribuída, com grande parte da economia de uns sendo custeada por quem não usa essa modalidade; investimentos necessários para escoamento da energia entre as regiões geoelétricas que são repassados igualmente para ricos e pobres; investimentos das distribuidoras para oferecer melhoria da qualidade dos serviços pressionadas pelos mais ricos que são também igualmente repassados para a tarifa dos mais pobres, mesmo considerando que já tenham uma redução de 65%; excesso de potência instalada na geração, cujo custo tarifário também é rateado para todos os consumidores, mesmo para aqueles que não a demandem.

Nos desvios e furtos de energia elétrica, além da cultura de alguns em crescer, econômica ou socialmente falando, às custas dos esforços dos outros, temos as liminares. Mesmo quando derrubadas, a falta de punição é decorrente do acionamento das amizades com os donos do poder e “tudo permanece como dantes no quartel de Abrantes”. No caso do Rio de Janeiro, que é o mais conhecido, a energia elétrica é fornecida pela concessionária distribuidora, mas é “faturada” ou pelos milicianos ou pelos traficantes, que não permitem a presença do Estado naquelas localidades. Nesse caso, aparece um fato intrigante: a União, responsável constitucionalmente pelos serviços de energia elétrica (Art. 21 da CF), concede ou permite que uma empresa, em seu nome, faça a prestação dos serviços públicos de energia elétrica (Art. 175 da CF) e Lei nº 8.987/95 (Lei das Concessões) e não dá condições para que a mesma possa exercê-la em sua plenitude. Diga-se de passagem, que uma concessão do serviço público de energia elétrica está fundamentada na visão moderna do Estado Regulador, razão pela qual, no caso da energia elétrica, foi criada a ANEEL.

O enfrentamento dessa situação requer uma visão holística para considerar os aspectos de lugares de alta complexidade socioeconômica e a interação com diversos atores (consumidores, associações, governos municipais, estaduais e federal, Poderes Legislativo e Judiciário estaduais e federal, forças de segurança). Até 2031 estarão sendo vencidas a concessão de 20 distribuidoras de energia elétrica e a primeira é a Light, em 2025. A opção do governo foi não fazer licitação para a nova concessão e sim pela renovação das mesmas por mais 30 anos, tendo para tal publicado o Decreto Nº 12.068/2024. Uma das polêmicas desse decreto é a possibilidade de serem utilizadas tarifas diferenciadas para áreas com altos níveis de perdas e inadimplências. A metodologia das tarifas diferenciadas num mesmo segmento e das perdas de energia elétrica requer uma nova revisão e a ANEEL vem estudando experimentos controlados (sandbox tarifários), que vão, desde o incentivo à regularização de consumidores até à adimplência que possa ser melhor que a energia “grátis”. Vai ter muito jogo de interesse e calorosas discussões, é claro

DERROTADO PELAS PERDAS
por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços

 

Geoberto Espírito Santo

SinergiaGeoberto Espírito Santo é Engenheiro Civil, formado em 1971 pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente é Consultor do SINDENERGIA – Sindicato das Indústrias de Energia do Estado de Alagoas e Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços – GES Consult ATIVIDADES QUE EXERCEU: - Engenheiro da Companhia Energética de Alagoas (CEAL), por 28 anos - Diretor de Operação da Companhia de Eletricidade de Alagoas - CEAL - Secretário de Administração da Prefeitura Municipal de Maceió - Assessor de Coordenação e Planejamento da Empresa de Recursos Naturais do Estado de Alagoas - EDRN - Chefe de Gabinete da Diretoria de Desenvolvimento Energético da CEAL - Assessor da Subcomissão de Minas e Energia do Senado Federal - Diretor de Distribuição e Comercialização da Companhia Energética de Alagoas - CEAL - Consultor em eficiência energética do PNUD / ELETROBRÁS - Secretário Executivo do Núcleo de Eficiência Energética na Indústria (NEEI / FIEA) - Secretário Executivo do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas - CEPE - Secretário de Estado Adjunto de Energia e Recursos Minerais de Alagoas - Vice-Presidente de Planejamento Energético do Fórum Nacional dos Secretários de Estado para Assuntos de Energia - FNSE - Representante da Região Nordeste no Conselho Consultivo da Empresa de Pesquisa Energética – EPE - Diretor Presidente da Gás de Alagoas S.A. – ALGÁS - Vice-Presidente do Conselho Estadual de Política Energética de Alagoas – CEPE - Presidente do Conselho Fiscal da ABEGÁS – Associação Brasileira das Empresas das Empresas Distribuidoras de Gás Natural – ABEGÁS - Professor nas disciplinas de Eletricidade e Eletrotécnica, no Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas – UFAL - Membro do Conselho Estadual de Política Energética – CEPE LIVROS E TRABALHOS PUBLICADOS: - Protestos e Propostas (EDUFAL) - Energia: Um Mergulho na Crise (IGASA) - Política e Modelagem do Setor Elétrico (Imprensa Oficial GRACILIANO RAMOS) - Espírito Cidadão (EDUFAL) - Vários trabalhos sobre energia publicados nos anais de Seminários, Congressos Nacionais e Revista Internacional

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