A “CURVA DO PATO”
Temos uma potência instalada para geração de eletricidade no Sistema Interligado Nacional (SIN) de 225.000 MW, para uma demanda máxima de 90.060 MW registrada na semana passada. As principais fontes de geração da nossa matriz elétrica (não confundir com matriz energética) que compõem esse total são as seguintes: hidrelétrica (62%); eólica (12%); gás natural (6%); bagaço de cana (4,7%); solar (4,4%); nuclear (2%); carvão (1,2%); para completar os 100% existem a lixívia, óleo diesel, PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e outras renováveis. Portanto, em potência instalada, temos energia de sobra para o atendimento ao mercado consumidor. Todas as fontes são importantes, mas vale salientar que cada uma tem características próprias.
As hidrelétricas podem funcionar todo o tempo, desde que as afluências sejam suficientes para o enchimento dos reservatórios. Chuva que cai fora da bacia dos rios não vai fazer parte do armazenamento das hidros. As eólicas não funcionam o tempo todo e, quando estão em operação, sua intensidade é maior no período noturno. Apesar dos modelos matemáticos e estatísticas, não se sabe exatamente quando começam ou param de gerar. Térmicas a gás natural podem funcionar o tempo todo e serem ligadas de forma rápida, mas sua operação é mais cara e poluente. As usinas solares só geram durante o dia e sua intensidade depende da hora. As que usam biomassa só funcionam integralmente nos 6 meses da safra da cana-de-açúcar. As nucleares produzem energia firme o tempo todo, mas seu custo é alto e não têm flexibilidade operacional. As térmicas a carvão podem operar o tempo todo, mas também são caras e mais poluentes do que as que usam o gás natural.
Desde abril de 2024, a segurança do abastecimento de energia elétrica na “hora da ponta” do sistema vem preocupando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). Por causa do calor no verão e o intenso acionamento de aparelhos de ar condicionado, essa “hora da ponta” vem ocorrendo no período das 14h às 16h nos meses de janeiro e fevereiro. No restante do ano, essa maior demanda acontece entre 18h e 20h, período em que as solares já deixaram de produzir e as eólicas ainda não estão gerando com sua potência máxima. Atualmente essa diferença é de 40.000 MW, ou seja, de 17,8% do total da potência instalada. Esse tipo de comportamento é conhecido como a “curva do pato” e o déficit precisa ser rapidamente coberto por hidrelétricas e/ou térmicas, a depender de onde a demanda estiver sendo solicitada. Para não ter maiores reflexos nas tarifas, o ONS deve saber quais usinas estão disponíveis para o despacho e quanto custa essa disponibilidade, uma “ordem de mérito” econômico utilizada para autorizar a entrada em operação.
A onda de calor e as queimadas na região Norte afetaram os rios da Amazônia e o menor volume de água atingiu a geração das usinas de Santo Antônio, Belo Monte e Jirau, hidrelétricas consideradas estruturantes para o SIN. Na semana passada, a geração média foi de 2.976 MW, quando no mesmo período de 2023 foi registrado 3.703 MW. Nesse tempo, a demanda média aumentou naquela região, passando de 8.274 MW para 8.297 MW. Na semana passada, a geração solar total no Brasil entregava em torno de 30.000 MW entre o meio-dia e as 13h, caindo para 50 MW às 18:30h, valor que já inclui a geração nos painéis solares instalados nas residências dos consumidores. Às 18:44h, a demanda do país registrava 90.060 MW.
O preço da energia no mercado atacadista, que é o PLD (Preço de Liquidação de Diferenças), passou de R$ 124/MWh para R$ 342/MWh, cujos reflexos vão aparecer no custo de quem está no mercado livre precisando de energia para atendimento às suas necessidades contratuais e para os consumidores do mercado cativo por causa do acionamento da bandeira tarifária amarela, ou até a vermelha. A preocupação com esse cenário foi detectada através da troca de ofícios entre o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o Ministério de Minas e Energia (MME) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Essa dificuldade deve aumentar em outubro, quando a temperatura começa a crescer fazendo a demanda subir e as chuvas de novembro/dezembro ainda não começaram a recompor os reservatórios.
O crescimento da demanda e a abertura para um mercado totalmente livre tendem a levar a expansão do sistema a ser feita com renováveis, que são intermitentes, sendo que 80% tende a ser pela fonte solar. Recentes estudos feitos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já identificaram a necessidade de uma potência adicional no sistema de 5.500 MW em 2028 de fontes “despacháveis”, ou seja, aquelas que podem ser acionadas a qualquer momento. Nesse caso, não são consideradas as fontes eólica e solar por serem intermitentes e dependerem das condições climáticas para gerar energia. Portanto, a regulação existente e a intermitência são fatores baseados nos quais as termelétricas continuarão sendo cruciais para a segurança no abastecimento nos períodos de baixa produção das fontes renováveis.
Uma das soluções para essa questão, adotada em vários países, é o programa Resposta da Demanda, válido somente para consumidores de grande porte. O operador do sistema, sabendo que será necessário ligar térmicas com custo variando entre R$ 800/MWh e R$ 2.000/MWh, entra em contato com as indústrias perguntando se elas podem tirar carga na hora da ponta, em lotes de 5 MW, por no mínimo 4 horas. Certamente que a empresa teria que parar sua produção ou realocá-la para fora da hora da ponta, ou até mesmo fazer adaptações na sua produção para responder ao programa se quer participar. Funciona assim: ao invés de acionar uma térmica que custa R$ 800/MWh, o operador oferece R$ 600/MWh para a indústria tirar carga na hora da ponta do sistema elétrico. A empresa vai para a “ponta do lápis” calcular se sai mais barato parar a produção por alguns dias e se pode oferecer o corte de carga para diminuir o uso das térmicas.
De novembro de 2023 a julho de 2024, o ONS já aprovou 185 ofertas de 25 empresas, totalizando 112 MW, uma prova que há espaço para prosseguir com essa estratégia de redução dos custos do sistema. O governo brasileiro não gosta de divulgar esse programa, para não dar a impressão que estamos à beira de um racionamento.
A “CURVA DO PATO”
Por Geoberto Espírito Santo
Personal Energy da GES Consultoria, Engenharia e Serviços