PRESSÃO PELA BAIXA
Em economias livres, os mercados de energia tendem para a liberdade. Na América Latina, a abertura começou no Chile (1982), Colômbia (1994), Brasil (1995), Uruguai (1997), Equador (2000) e México (2014). Em 1º lugar está o Chile, com 61% do consumo total do país, em 2ª o Brasil (41%) e a Colômbia (30%). Considerando os integrantes da AICE (Associação Ibero-Americana de Comercialização de Energia), o 1º lugar é da Espanha, abertura em 1997 e está com 100% do consumo no mercado livre. Em 2º vem Portugal, começou em 1995 e hoje tem 95% da demanda do país.
No Brasil, foi iniciada com a Lei 9.074/95, liberando o ACL (Ambiente de Contratação Livre) para consumidores com demanda mínima de 3.000 kW. Nosso destaque na América Latina é decorrente da energia no ACR (Ambiente de Contratação Regulado) ser muito cara, função dos subsídios e alocação inadequada de custos. É atrativo para quem deseja reduzir suas “contas de luz” e qualquer proposta mostra um retrato com economia entre 25% e 40%, não necessariamente significando uma segurança a médio e longo prazo. Não são mostrados, nem os consumidores sabem, os riscos dessa migração: exposição à variação de preços, volume contratado inadequado para o consumo, gestão energética em mercado dinâmico, solidez do parceiro (agente comercializador), arrependimento e retorno ao cativo só em 5 anos.
Na migração para o ACL, o consumidor deixa de ser suprido por uma empresa de grande porte, financeiramente sólida, regulação definida e tarifas homologadas pela ANEEL, para ser suprido por um comercializador varejista ou comercializadora no atacado, com preços negociados. Para o comercializador varejista há um risco de performance, que não está devidamente calculado porque não é zerado diariamente e, quando chega o momento da entrega, poderá haver uma exposição gigantesca para determinados agentes. Ao final de 2024, duas empresas fecharam as portas e vários agentes poderiam estar em dificuldades de saudar compromissos financeiros por causa do aumento exponencial nos preços do mercado spot. Por outro lado, existe uma alta concentração econômica das comercializadoras varejistas no mesmo grupo econômico das distribuidoras na sua própria área de concessão.
A solar endereçou 81% da sua produção para o ACL, as eólicas (58%), biomassa (73%) e PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas) com 57%. Até o final de 2025 espera-se mais de 36.000 migrações, sendo que 95% através de comercializadores varejistas. A fonte solar deve suprir 80% da expansão do mercado livre e vamos fazer leilão de reserva de capacidade porque em 2028 deveremos ter uma rampa de 40 GW difícil de ser atendida, praticamente provocada pela fonte solar, pois esse segmento não vai contratar térmica. A expansão da transmissão, subestações e melhoramentos prevê investimentos de R$ 56,2 bilhões, sem tarifa locacional, a serem rateados também para consumidores de baixa renda, caso não se implante os sandboxes tarifários admitidos na renovação das concessões das distribuidoras.
Na migração do ACR para o ACL, a unidade consumidora deixa custos que foram contratados, como a redução de 50% na transmissão para fontes incentivadas, suprimento na ponta do sistema, bandeiras tarifárias e sobrecontratação das distribuidoras. Além de arcar com os subsídios do uso do fio na GD (geração distribuída), com a judicialização do constrained off, o cativo poderá pagar outra vez.
Aquele patamar mínimo foi diminuindo com o passar dos anos e, a partir de 01/01/2024, o Poder Concedente autorizou a abertura para todos os consumidores ligados em alta e média tensão. Agora, a pressão é para uma abertura total, incluindo a baixa tensão, que, na realidade já foi feita pela GD por assinatura. É óbvio que as organizações representativas (eólica, solar, PCH, biomassa) vão defender o totalmente livre. Mas nenhuma dessas fontes, sozinha, assegura energia 24 horas/dia e o custo complementar do suprimento não pode ser assumido somente pelos consumidores cativos.
Não é possível continuar tendo o mesmo preço do kWh às 8h, às 15h e às 18h. A geração eólica custa R$ 411/MWh e a solar R$ 548/MWh e não é o preço pela qual estão vendendo. A GD custa R$ 753/MWh, mas está dando cerca 30% de desconto na tarifa fio B do consumidor cativo. Aí se aumenta o encargo e muda a maneira de dividir a conta. O preço da energia que interessa ao consumidor é o que chega no seu bolso. A CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) quando foi criada custava um bilhão ao Tesouro Nacional e em 2024 o consumidor bancou R$ 40,9 bilhões. O escritor Robert Heinlein criou o “não existe almoço grátis” e Delfim Neto completou:” alguém está pagando”. Esse contexto deveria gerar uma soma de 100, mas a realidade é 120 e ninguém quer perder nos 20 excedentes. Portanto, o grande entrave para a abertura do mercado de energia para os consumidores de baixa tensão são os próprios agentes, que não querem abrir mão de subsídios desnecessários.
Na Espanha, Portugal, Colômbia e México, a formação dos preços é por oferta. No Brasil, Chile e Uruguai é calculado por modelos computacionais com base no custo marginal de operação. Na Espanha, Portugal e México já está implantado o “supridor de última instância”, fornecedor de último recurso utilizado por 30% dos consumidores que, apesar da abertura total, preferem continuar no mercado regulado. Todos os países praticam o preço horário.
O setor elétrico brasileiro tem suas especificidades e precisa de sensibilidade para ser discutido como um todo. Há necessidade de um aprimoramento do arcabouço legal e regulatório e de um acompanhamento mais efetivo sobre suas operações. Sua precificação tende a ser concebida com formato híbrido, “por custo” para operações centralizadas e “por oferta”, quando os agentes tiverem uma participação mais ativa. A tendência é a abertura total do mercado de energia, mas antes precisa ser construída uma solução para os contratos legados, implantar o supridor de última instância, precificar a energia por atributos, ter um preço de compra e outro de venda para substituir excedentes/créditos e planejamento técnico na expansão.
Em 2026 já teremos novas eleições. Esperamos que em 2025 possa haver uma reforma no setor, como em 2004, para ajustá-lo num equilíbrio de relações mercadológicas e justas para todos os agentes e consumidores.
(17/03/2025, no Valor Econômico)
PRESSÃO PELA BAIXA
por Geoberto Espírito Santo
GES Consultoria, Engenharia e Serviços